As
malas estão prontas, terminei de ajeitar as últimas coisas. São três e vinte da
tarde, faz um calor insuportável. Os gritos acalmaram, ela tem lágrimas nos
olhos, mas não chora mais. Talvez, por reconhecer o fim do jogo, talvez por
saber que seu teatro não me comove, nem me assusta mais. O telefone toca,
atendo, é meu irmão do outro lado, avisando pra deixar a procuração e os
documentos, desligo. O carro pára em frente ao velho portão de ferro, carrego
as malas, olho mais uma vez a casa da minha infância, são tantas lembranças,
que eu não conseguiria guardar em mil malas. Ela olha pela janela, não dissemos
nada uma à outra, não se faz necessário isso agora, embarco, fecho a porta, o
carro avança, estou partindo, como tantas e tantas outras vezes, a diferença, é
que agora é pra sempre!
Nós
duas sabíamos que esse dia chegaria, e cá entre nós, demorou bastante, foram
quase vinte sete anos, tempo suficiente pra ela mudar, embora, saiba que uma
vida toda não faria a menor diferença.
Eu
fiquei depois que os amigos foram embora, porque é isso que a família faz.
Fiquei depois da partida do meu irmão, porque era a filha que sobrou, fiquei ao
seu lado mesmo depois do pai ter ido embora, porque a minha obrigação e dever
exigiam minha presença. Eu sempre estive ao seu lado, todos esses anos. Mas as
minhas desculpas e subterfúgios para
permanecer ao seu lado, acabaram-se todos. Se eu ficasse agora, teria que ser
por amor. NÃO. Não posso não se podem inventar sentimentos!
É,
estou indo embora, sim. É, estou te deixando, agora. Não quero ouvir tuas
promessas, tampouco farei escândalos ou cenas. Não, eu sou melhor que isso.
Você me conhece, eu bato o portão sem fazer alarde. Eu levo das poucas boas
lembranças, saudade. Eu levo os gritos, o caco de vidro quebrado no chão da
cozinha. Levo teu desequilíbrio emocional, tua falta de respeito, teus
exageros, tuas tempestades em copo d’água. Eu levo as marcas no corpo e as
feridas na alma, que você me deixou durante todos esses anos. Levo as mentiras
que contamos, e as verdades que nos fizeram sangrar, porque as verdades sempre
doem. E não se preocupe, eu me viro bem sozinha, porque a solidão é melhor e mais agradável que certas
companhias.
_Por
que agora?!_Porque todos têm seu limite, eu cheguei ao meu. Não vou me culpar
por erros que não cometi, eu não vou bancar a vítima, mas tampouco serei a vilã
da história. Foram seus erros, seus passos mal calculados, seus fracassos
estratégicos, foram seus os atos que nos trouxeram até aqui, e essas são suas
conseqüências.
NEO (11/03/12)
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