sábado, 24 de março de 2012


ATOS E CONSEQUÊNCIAS

As malas estão prontas, terminei de ajeitar as últimas coisas. São três e vinte da tarde, faz um calor insuportável. Os gritos acalmaram, ela tem lágrimas nos olhos, mas não chora mais. Talvez, por reconhecer o fim do jogo, talvez por saber que seu teatro não me comove, nem me assusta mais. O telefone toca, atendo, é meu irmão do outro lado, avisando pra deixar a procuração e os documentos, desligo. O carro pára em frente ao velho portão de ferro, carrego as malas, olho mais uma vez a casa da minha infância, são tantas lembranças, que eu não conseguiria guardar em mil malas. Ela olha pela janela, não dissemos nada uma à outra, não se faz necessário isso agora, embarco, fecho a porta, o carro avança, estou partindo, como tantas e tantas outras vezes, a diferença, é que agora é pra sempre!
Nós duas sabíamos que esse dia chegaria, e cá entre nós, demorou bastante, foram quase vinte sete anos, tempo suficiente pra ela mudar, embora, saiba que uma vida toda não faria a menor diferença.
Eu fiquei depois que os amigos foram embora, porque é isso que a família faz. Fiquei depois da partida do meu irmão, porque era a filha que sobrou, fiquei ao seu lado mesmo depois do pai ter ido embora, porque a minha obrigação e dever exigiam minha presença. Eu sempre estive ao seu lado, todos esses anos. Mas as minhas desculpas e subterfúgios  para permanecer ao seu lado, acabaram-se todos. Se eu ficasse agora, teria que ser por amor. NÃO. Não posso não se podem inventar sentimentos!
É, estou indo embora, sim. É, estou te deixando, agora. Não quero ouvir tuas promessas, tampouco farei escândalos ou cenas. Não, eu sou melhor que isso. Você me conhece, eu bato o portão sem fazer alarde. Eu levo das poucas boas lembranças, saudade. Eu levo os gritos, o caco de vidro quebrado no chão da cozinha. Levo teu desequilíbrio emocional, tua falta de respeito, teus exageros, tuas tempestades em copo d’água. Eu levo as marcas no corpo e as feridas na alma, que você me deixou durante todos esses anos. Levo as mentiras que contamos, e as verdades que nos fizeram sangrar, porque as verdades sempre doem. E não se preocupe, eu me viro bem sozinha, porque a solidão é  melhor e mais agradável que certas companhias.
_Por que agora?!_Porque todos têm seu limite, eu cheguei ao meu. Não vou me culpar por erros que não cometi, eu não vou bancar a vítima, mas tampouco serei a vilã da história. Foram seus erros, seus passos mal calculados, seus fracassos estratégicos, foram seus os atos que nos trouxeram até aqui, e essas são suas conseqüências.

NEO (11/03/12)

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